Entre gêneros e mercado, o que importa é a formação de novos leitores
Foto: Anny Lucard
Hoje o acesso à leitura facilitado cria mudanças significativas, o que faz os profissionais na área literária dividirem opiniões quanto ao que é boa literatura. Discriminação não deve ocorrer, na opinião dos editores da Ornitorrinco, Alícia Azevedo e Henrique de Lima, afinal a literatura agora está ao alcance de todos, não é restrita a uma minoria, que no passado era formada apenas por ricos, brancos e homens.
A mulher passa a ler, e também escreve,
primeiro seguindo os padrões da literatura feita pelos homens, mas logo
cria um gênero típico feminino, o chick-lit.Esse gênero hoje é visto
como um estilo literário próprio, o Chick, com vários sub-gêneros, mas
não é aceito por todos.O editor da Andross, Edson Rossatto, e autor de
‘Toque para Mulheres’, pensa em moda, pois a literatura atual também
cria ‘febres literárias’ que movimenta o mercado editorial: “no momento,
o gênero em alta é o erótico chick, como o best-seller ‘50 tons de
cinza’ da E.L.James”, comenta.
Os editores da Ornitorrinco falam da
mulher compor o maior público leitor:“pesquisas já mostraram que as
mulheres compram e leem mais livros do que os homens, assim, é
inevitável esse movimento do mercado para atingir esse público.”Já o
editor Richard Diegues da Tarja, se preocupa mais com a padronização dos
textos, seja da literatura Chick, ou outras igualmente discriminadas,
como a Fantástica e Queer, o que dificulta a publicação de obras
inovadoras, lamentando que “nem sempre os editores podem ter o prazer de
publicar conteúdo realmente relevante”. Destaca a discriminação da
literatura Queer, por editoras conservadoras, já que a Tarja investe em
sua coleção ‘A Fantástica Literatura Queer’.
O que pensam os autores das ditas literaturas marginalizadas?
Quando falamos de literatura Chick, a
crítica passa uma visão de texto fútil, de baixa qualidade, superficial e
estereotipada, mas o autor Luis Eduardo Matta, mostra que não é bem
assim. Criador da série ‘As Bem Resolvidas (?)’, se prepara para lançar o
segundo livro e fala animado que é um prazer escrever Chick. “Todo tipo
de literatura sofre preconceitos. É normal.
Mesmo a literatura clássica costuma ser
acusada de ser difícil e hermética.”“Os críticos têm motivações muito
diferentes,” fala o autor, que não perde noite de sono com crítica ruim.
Defensor da literatura e autores dedicados a gêneros historicamente
pouco explorados no Brasil, Luis Eduardo Matta comenta não ser
partidário da ideia de que um tipo de literatura deva se sobrepor a
outros. A favor da convivência, ele diz: “quanto mais variedade
ficcional o Brasil tiver, mais rica será a nossa literatura”.A
literatura Fantástica, em foco atualmente, graças a séries de livros que
foram adaptadas pelo cinema, como ‘Harry Potter’ e ‘Crepúsculo’, se
tornou a primeira literatura de minoria, discriminada, a ganhar o mundo.
No entanto, ainda é claro que há
resquícios da questão cultural relacionada à soberania masculina na
literatura e suas ideias patriarcais, embora ocorra mudança como observa
Márcia Rubim, autora do romance sobrenatural ‘Adeus à
Humanidade’.“Acontece é que a maioria dos críticos literários são homens
e, pela própria natureza, tendem a gostar mais de gêneros que envolvem
mistério, aventura, fatos históricos ou econômicos. Já as mulheres,
apesar de muitas delas também gostarem de outros estilos literários, se
inclinam mais para o romance”, comenta a autora que faz parte do grupo
de escritoras “Entre Linhas e Letras”.
A autora da série ‘Garota apaixonada’,
Carol Estrella, também do “Entre Linhas e Letras”, não acredita na
discriminação por causa do sexo, pois hoje há muitas escritoras de
sucesso. Escritora de chick-lit, ela acredita que o problema da crítica
negativa acontece mais por causa de professores e doutores da área, os
quais geralmente não reconhecem os chick-lit como literatura, pois são
contra a linguagem realista e intimista dos jovens.
Já Roxane Norris, que recentemente
lançou seu livro ‘Immortales’, acha que discriminação é uma palavra
forte, que o caso é as várias fontes críticas, especialmente entre blogs
literários, onde há desde crítico professor ao leitor compulsivo.
O papel da crítica
Os blogs literários ajudam muito na
divulgação dos autores nacionais, mas tem que ter uma preocupação quanto
ao embasamento na crítica. Mesmo que seu livro de literatura fantástica
não seja um chick-lit, ela revela que é mulher e gosta do fator
romântico em sua história. Porém, em uma literatura construída por
homens, até a Fantástica famosa por ousar, sofre críticas ruins quando
inclui a sensibilidade e o romance, marca dos Chick. O que para a autora
Ju Lund é lamentável, a qual lança pela Ornitorrinco o romance
fantástico ‘Doce Vampira’, que mistura também literatura Chick e Queer.
Ju Lund inova ao colocar um casal
formado por jovens mulheres protagonizando uma história romântica e
questionada quanto à escolha, não só pela literatura Fantástica, mas por
unir três estilos literários discriminados, a autora fala que seu
desejo é que homens e mulheres tentem se libertar de todo e qualquer
preconceito. Críticas são boas desde que sejam construtivas, opiniões
ultrapassadas ou pessoais devem ser questionadas e nunca aceitas como
verdade.
O que editoras e autores precisam é uma
nova visão crítica da literatura, uma melhor definição de estilos e
gêneros, pensando também no público alvo, como já acontece no
estrangeiro. A publicação de ‘Doce Vampira’ é uma inovação, mas sem
perder o foco em alguns padrões básicos. A autora revela ser um livro
com foco em um romance entre uma garota humana e uma vampira, o que é
algo inédito entre romances nacionais, assim como a forma que o assunto é
tratado, com o mesmo grau de sensibilidade que nos romances entre um
homem e uma mulher.
“Anseio que as pessoas leiam o livro e
percebam que preconceito é coisa do passado e não deve mais ser levado a
diante,” comenta. Ela ainda afirma que seu romance queer chick pode ser
lido sem restrições, desde que esteja aberto ao novo. Márcia Rubim
conclui ao falar que “independentemente de serem criticadas, não há como
negar que várias autoras contribuíram, e muito, para a formação de
novos leitores”, o que para a autora é o que importa.
Matéria original do Jornal O Estado RJ - Cultura:
Texto original:
http://www.oestadorj.com.br/cultura/literatura-marginalizada-quando-os-discriminados-ganham-voz/
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