segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Quem conta um conto, aumenta um ponto


Foto: Divulgação

Quem conta um conto, aumenta um ponto
A multiplataforma inova a velha arte dos contadores de histórias
Postado em 29 de outubro de 2012 por Anny Lucard em Cultura - Jornal O Estado RJ

A ideia base da multiplataforma já existia, surgida há tempos atrás, quando as histórias orais passaram a ter versões escritas, na forma de livros, e interpretadas, no teatro. Já a multiplataforma, como conhecemos, surge na sociedade atual, por causa do consumo acelerado de novidades, informação e entretenimento, que obriga os profissionais a fugir do tradicional adaptar e repetir em diversos meios.O melhor exemplo de uma história contada em multiplataforma é a franquia ‘Resident Evil’, que começou a contar sua história em um game e seguiu para outras mídias.

Geralmente com foco em um determinado personagem ou situação, criando assim um universo ficcional rico e amplo, com fãs de diversos tipos. A autora Vivianne Fair, adepta do trabalho em multiplataforma, fala que no caso de suas histórias, há quem prefira só os contos, os que gostam das tirinhas, que curtem ouvir os audiocontos e aqueles que só acompanham os livros de ‘A Caçadora’ e ‘O Caçado’. Séries de livros, como as que deram origem a ‘True Blood’ e ‘Games Of Thornes’, devem a multiplataforma o sucesso, pois ganharam o mundo ao recontarem suas histórias na TV.

Já no Brasil, ainda não há muitos que acreditam na multiplataforma, mas alguns se inspiram com o trabalho dos colegas no estrangeiro. “Adoro dar vida aos personagens e ainda mais fazendo algo que sempre havia sonhado em fazer: dublagem”, comenta Vivianne Fair, quanto aos audiocontos de Jessi e Zack, onde dubla sua caçadora.

Não é uma adaptação, é uma nova visão da história

Vivianne Fair, além de escritora e desenhista, também é uma fã de várias histórias em multiplataforma, por isso sabe bem quais as vantagens e desvantagens do trabalho.Ela comenta: “hoje em dia as pessoas estão saturadas de coisas repetitivas e só tem destaque quem mostra algo novo. Gosto de tentar de tudo, então para mim as vantagens são inúmeras, pois amo tudo que faço.”Enquanto Vivianne Fair gosta de trabalhar diretamente em cada meio, Rafael Pombo, criador de ‘Elementais’, acha interessante ter outros envolvidos com sua história, porque é saudável trabalhar o desapego do que cria, o que permite que a história ganhe outros formatos com diferentes visões, pois nem sempre o autor trabalha no projeto. “Se desejarem meu envolvimento, estarei disposto, mas não é necessário”, comenta, admitindo que seria legal participar.

A autora Nazarethe Fonseca sabe exatamente o que é isso. Ela teve personagens de seus livros ganhando vida na websérie ‘Alma e Sangue’. e comenta o evento:“escrevi o argumento e o diretor Caio Cobra fez o roteiro. Foi muito interessante o resultado. Dividiu opiniões, e tenho certeza que foi algo inovador.”Opiniões divididas é uma das características comuns das histórias em multiplataforma. No entanto, na opinião do editor da Aleph, Adriano Fromer Piazzi, que publica a série de livros ‘Alma e Sangue’, mesmo com as diversas vantagens, a maior desvantagem é sempre o fã que não gosta de multiplataforma.

“Fãs devem ser levados muito em consideração”, afirma Adriano Fromer Piazzi. “Temos que entender o que eles querem e respeitar suas idiossincrasias. Mas, óbvio, como tudo no mundo, é impossível agradar a todos.”Mariana Travieso Bassi, da área de comunicação e marketing da editora Oráculo, que publica ‘Elementais’, acha o movimento muito interessante, no qual a expansão do conhecimento e a “experiência do leitor com a obra e seus derivados; aumenta-se também as possibilidades de contato com o público potencial”.

No entanto, o autor Rafael Pombo destaca uma grande vantagem junto aos fãs, pegando como exemplo os filmes de ‘Resident Evil’, o estímulo à curiosidade; no caso da franquia acerca dos games nos quais se originaram. Sem levar em conta a questão de ser melhor ou pior, pois não é uma obra única, fechada e linear, como um romance.A multiplataforma “possibilita desdobramentos variados, ou uma franquia que abarca diversas mídias. Tudo é uma questão de intenção e receptividade do público. No fim, o melhor é o que alcança os objetivos pretendidos”, comenta o autor.

O importante para ter um projeto multiplataforma de sucesso, trabalhando ou não junto com os autores, é fazer um bom trabalho e saber que não irá agradar a todos. Porém, é sempre interessante divulgar entre os fãs do que se trata exatamente essa forma inovadora de contar história, para evitar frustrações desnecessárias.

Matéria original do Jornal O Estado RJ - Cultura:
www.oestadorj.com.br


Texto original:
http://www.oestadorj.com.br/cultura/quem-conta-um-conto-aumenta-um-ponto/

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Literatura marginalizada: quando os discriminados ganham voz

Entre gêneros e mercado, o que importa é a formação de novos leitores


Foto: Anny Lucard

Hoje o acesso à leitura facilitado cria mudanças significativas, o que faz os profissionais na área literária dividirem opiniões quanto ao que é boa literatura. Discriminação não deve ocorrer, na opinião dos editores da Ornitorrinco, Alícia Azevedo e Henrique de Lima, afinal a literatura agora está ao alcance de todos, não é restrita a uma minoria, que no passado era formada apenas por ricos, brancos e homens.

A mulher passa a ler, e também escreve, primeiro seguindo os padrões da literatura feita pelos homens, mas logo cria um gênero típico feminino, o chick-lit.Esse gênero hoje é visto como um estilo literário próprio, o Chick, com vários sub-gêneros, mas não é aceito por todos.O editor da Andross, Edson Rossatto, e autor de ‘Toque para Mulheres’, pensa em moda, pois a literatura atual também cria ‘febres literárias’ que movimenta o mercado editorial: “no momento, o gênero em alta é o erótico chick, como o best-seller ‘50 tons de cinza’ da E.L.James”, comenta.

Os editores da Ornitorrinco falam da mulher compor o maior público leitor:“pesquisas já mostraram que as mulheres compram e leem mais livros do que os homens, assim, é inevitável esse movimento do mercado para atingir esse público.”Já o editor Richard Diegues da Tarja, se preocupa mais com a padronização dos textos, seja da literatura Chick, ou outras igualmente discriminadas, como a Fantástica e Queer, o que dificulta a publicação de obras inovadoras, lamentando que “nem sempre os editores podem ter o prazer de publicar conteúdo realmente relevante”. Destaca a discriminação da literatura Queer, por editoras conservadoras, já que a Tarja investe em sua coleção ‘A Fantástica Literatura Queer’.

O que pensam os autores das ditas literaturas marginalizadas?

Quando falamos de literatura Chick, a crítica passa uma visão de texto fútil, de baixa qualidade, superficial e estereotipada, mas o autor Luis Eduardo Matta, mostra que não é bem assim. Criador da série ‘As Bem Resolvidas (?)’, se prepara para lançar o segundo livro e fala animado que é um prazer escrever Chick. “Todo tipo de literatura sofre preconceitos. É normal.

Mesmo a literatura clássica costuma ser acusada de ser difícil e hermética.”“Os críticos têm motivações muito diferentes,” fala o autor, que não perde noite de sono com crítica ruim. Defensor da literatura e autores dedicados a gêneros historicamente pouco explorados no Brasil, Luis Eduardo Matta comenta não ser partidário da ideia de que um tipo de literatura deva se sobrepor a outros. A favor da convivência, ele diz: “quanto mais variedade ficcional o Brasil tiver, mais rica será a nossa literatura”.A literatura Fantástica, em foco atualmente, graças a séries de livros que foram adaptadas pelo cinema, como ‘Harry Potter’ e ‘Crepúsculo’, se tornou a primeira literatura de minoria, discriminada, a ganhar o mundo.

No entanto, ainda é claro que há resquícios da questão cultural relacionada à soberania masculina na literatura e suas ideias patriarcais, embora ocorra mudança como observa Márcia Rubim, autora do romance sobrenatural ‘Adeus à Humanidade’.“Acontece é que a maioria dos críticos literários são homens e, pela própria natureza, tendem a gostar mais de gêneros que envolvem mistério, aventura, fatos históricos ou econômicos. Já as mulheres, apesar de muitas delas também gostarem de outros estilos literários, se inclinam mais para o romance”, comenta a autora que faz parte do grupo de escritoras “Entre Linhas e Letras”.

A autora da série ‘Garota apaixonada’, Carol Estrella, também do “Entre Linhas e Letras”, não acredita na discriminação por causa do sexo, pois hoje há muitas escritoras de sucesso. Escritora de chick-lit, ela acredita que o problema da crítica negativa acontece mais por causa de professores e doutores da área, os quais geralmente não reconhecem os chick-lit como literatura, pois são contra a linguagem realista e intimista dos jovens.

Já Roxane Norris, que recentemente lançou seu livro ‘Immortales’, acha que discriminação é uma palavra forte, que o caso é as várias fontes críticas, especialmente entre blogs literários, onde há desde crítico professor ao leitor compulsivo.

O papel da crítica

Os blogs literários ajudam muito na divulgação dos autores nacionais, mas tem que ter uma preocupação quanto ao embasamento na crítica. Mesmo que seu livro de literatura fantástica não seja um chick-lit, ela revela que é mulher e gosta do fator romântico em sua história. Porém, em uma literatura construída por homens, até a Fantástica famosa por ousar, sofre críticas ruins quando inclui a sensibilidade e o romance, marca dos Chick. O que para a autora Ju Lund é lamentável, a qual lança pela Ornitorrinco o romance fantástico ‘Doce Vampira’, que mistura também literatura Chick e Queer.

Ju Lund inova ao colocar um casal formado por jovens mulheres protagonizando uma história romântica e questionada quanto à escolha, não só pela literatura Fantástica, mas por unir três estilos literários discriminados, a autora fala que seu desejo é que homens e mulheres tentem se libertar de todo e qualquer preconceito. Críticas são boas desde que sejam construtivas, opiniões ultrapassadas ou pessoais devem ser questionadas e nunca aceitas como verdade.

O que editoras e autores precisam é uma nova visão crítica da literatura, uma melhor definição de estilos e gêneros, pensando também no público alvo, como já acontece no estrangeiro. A publicação de ‘Doce Vampira’ é uma inovação, mas sem perder o foco em alguns padrões básicos. A autora revela ser um livro com foco em um romance entre uma garota humana e uma vampira, o que é algo inédito entre romances nacionais, assim como a forma que o assunto é tratado, com o mesmo grau de sensibilidade que nos romances entre um homem e uma mulher.

“Anseio que as pessoas leiam o livro e percebam que preconceito é coisa do passado e não deve mais ser levado a diante,” comenta. Ela ainda afirma que seu romance queer chick pode ser lido sem restrições, desde que esteja aberto ao novo. Márcia Rubim conclui ao falar que “independentemente de serem criticadas, não há como negar que várias autoras contribuíram, e muito, para a formação de novos leitores”, o que para a autora é o que importa.

Matéria original do Jornal O Estado RJ - Cultura:


Texto original:
http://www.oestadorj.com.br/cultura/literatura-marginalizada-quando-os-discriminados-ganham-voz/