quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Leitor do Século XXI

A busca por literatura que fale a sua língua na 22ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo
Foto: Anny Lucard
Uma verdadeira febre literária parece assolar o mundo atualmente e o Brasil não parece ter escapado do contágio. A prova de que o brasileiro despertou para o hábito da leitura podem ser  fundamentadas nas filas enormes na entrada e estandes lotados no interior do Parque do Anhembi, onde esse mês foi realizada a 22ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo.

Paulistas da capital e do interior do estado, além de leitores de várias partes do país, lotaram o Parque do Anhembi, que tornou-se o palco de escritores de várias partes do Brasil e do mundo, famosos e novatos, durante os 10 dias da bienal paulista. Livros de todos os tipos, nacionalidades, gostos e bolsos eram encontrados, assim como leitores dos mais exigentes aos curiosos.

Leitores que se multiplicam

Amantes dos livros frequentadores de bienais e feiras literárias, as quais se multiplicam a cada ano pelo país, possuem um perfil novo e muito específico. Como é o caso de Luís A. Slusarski, autônomo, de Cascavel, PR, que acredita que "boa parte dos leitores, casuais ou não, buscam uma leitura compreensível ao seu nível intelectual e que esteja próxima de sua realidade, como forma de obter afinidade com o conteúdo do livro".

Quando questionado sobre se aprecia a literatura clássica ou os estilos que surgiram nos últimos anos, conhecidos por ´nova literatura´, Luís fala que qualificar a literatura em ´nova´ ou ´arcaica´ seria algo relativo. "Depende mais do leitor do que da escrita propriamente dita. Um texto escrito há cem anos pode retratar a conjectura da época em que foi elaborado, mas pode também ser aplicável ao nosso tempo por analogia", comenta.

Literatura clássica vs a nova literatura na visão dos leitores

A ideia de uma nova literatura deve ser desqualificada em relação a clássica, que alguns literários mais tradicionalistas pregam, é questionável de acordo com Luís. Há uma influência "não só dos gostos, da cultura ou da época dos leitores, mas da corrente comercial que busca abranger um público cada vez maior", afirma. "De forma geral, uma linguagem atual é fundamental para a correta compreensão do que se lê", completa o leitor.

Existe uma ideia semelhante quanto a literatura fantástica, que é muitas vezes desqualificada pelos elementos fantásticos. Luís fala que" a literatura fantástica não é um gênero restritivo ao irreal, pois é possível retratar dramas existenciais por meio de uma linguagem atual".

O acadêmico de letras e professor Lenon S. Alves de Salto, que despertou o interesse pela leitura após ler um texto de Machado de Assis, diz que não só o tornou um ávido leitor hoje como definiu sua escolha de carreira, também discorda da ideia de desqualificar textos da ´nova literatura´, por não seguirem os padrões estéticos tradicionais.

Lenon não acredita que esse novo tipo de escrita desqualifique a literatura em si: "muito pelo contrário, acredito que esse novo conceito de literatura enriqueça muito mais e seja uma espécie de evolução da escrita, e como tudo no mundo evolui, devemos nos adaptar a isso", afirma. Quando perguntado sobre a ideia de adaptações de clássicos, dando-lhes uma linguagem mais atual, como forma de despertar o interesse dos jovens para a literatura clássica e para incentivá-los a ler os textos originais, Lenon se mostra a favor.

"Mas é claro que eu acredito que essas novas adaptações despertam a curiosidade dos leitores pelo texto original, imagine só, um escritor ousar reescrever o grande romance Dom Casmurro, de uma forma mais atual, com uma linguagem atual, mais despojada", comenta, empolgado.

Outro professor que defende a chamada ´nova literatura´ é Carlos Brunno S. Barbosa. Ele ensina português em Teresópolis (RJ) e concorda que a grande causa do aumento do índice de leitores deve-se ao uso dessa linguagem mais próxima do leitor, "que oferece mais interatividade e diminui a distância entre a linguagem escrita e a linguagem falada".

O diagnóstico da febre literária

Carlos comenta ainda sobre outros aspectos que estimularam essa febre literária, como vendas em bancas de revistas e grandes lojas, que outrora não serviam como pontos de exposição de livros, restritos às livrarias especializadas. Também menciona outros aspectos como o avanço gráfico e a preocupação das editoras em investir nas capas, produzidas de forma atrativas aos olhos.

"Lembremos que a sedução aos olhos do leitor, por mais que se afirme que não devemos julgar nada pela capa, é a estética", comenta Carlos. A nova cara do leitor do século XXI parece surgir com uma espécie de estigma, que a escritora Ju Lund, de Pelotas (RS), destaca ao falar da dita ´nova literatura´, pois em sua opinião o conceito é um pouco distorcido.

"Esta nova literatura reúne cada vez mais leitores, vorazes, diga-se de passagem," comenta. "O leitor quer e precisa de temas contemporâneos. Isso é o que faz com que a nova literatura só agregue seus leitores e aumente a enorme legião de apreciadores, disseminando o desejo por ler cada vez mais", afirma Ju Lund.

A escritora, amante da literatura fantástica, que é foco de suas histórias, também fala a respeito da discriminação que histórias do tipo sofrem. "A Literatura Fantástica, por sua vez, é um gênero que se expande e não há como voltar atrás. É bom que, aqueles que a descriminam negativamente ou não, acostumem-se pois veio para ficar", diz.

Talvez após um século inteiro de realismo extremo e falta de esperança com o amanhã, que levou muitos escritores a mostrar o pior da humanidade e onde até a ficção científica descrevia futuros apocalípticos para a humanidades, os leitores do século XXI, em sua busca por um pouco de esperança e um toque de fantasia, estejam mudando o foco da literatura mundial.

Matéria original do Jornal O Estado RJ - Cultura:





Link original:
http://oestadorj.com.br/?pg=noticia&id=10464&editoria=Cultura&tipoEditoria